Saneamento Básico Municipal: primeiros passos para a concessão do serviço

Por Rafael R. Garofano e Israel Barbosa Santos

1. Introdução; 2. Aprovação do PMSB; 3. Utilização dos estudos do PMI como subsídio para o PMSB; 4. Conclusão.

1. Introdução

Iniciados os mandatos dos novos Prefeitos Municipais, iniciam-se também os planos para o desenvolvimento das cidades e para a oferta ou melhoria dos serviços públicos urbanos.

Em um período de grande restrição orçamentária que os Municípios têm enfrentado, agravada com advento da pandemia, é essencial a avaliação de alternativas para desonerar os órgãos estatais e ao mesmo tempo viabilizar a realização de investimentos na cidade.

Para o ano de 2021 e seguintes, um dos setores mais promissores nesse sentido sem dúvida alguma é o de Saneamento Básico, diante da promissora perspectiva de participação da iniciativa privada no esforço de universalização, incentivada a partir de 2007 por meio da Lei Nacional do Saneamento Básico e sobremaneira reforçada agora com a recente aprovação do novo marco legal do setor (Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020).

Vivemos neste momento um cenário favorável e oportuno para a busca de soluções técnica e economicamente viáveis com o objetivo de proporcionar ao Município a efetiva realização dos investimentos necessários, com vistas a tornar possível o cumprimento da política pública de saneamento básico. Diante da necessidade de realização de investimentos para garantir o abastecimento de água e o tratamento do esgoto de toda a população, somado ao cenário de recessão da economia que tem assolado o nosso país nos últimos anos, torna-se premente a busca por alternativas capazes de viabilizar as metas nacionais do setor.

Além disso, uma boa gestão dos serviços de saneamento com certeza irá propiciar maior folga orçamentária, diminuir o prazo para universalização desses serviços e até mesmo gerar receitas orçamentárias via recebimento de outorga em uma eventual delegação à iniciativa privada, a exemplo do que já ocorreu em muitos Municípios com reconhecido sucesso. Trata-se de recurso pago à vista diretamente para o caixa do Município, viabilizando a implementação de políticas públicas para a cidade.

Uma das formas de viabilizar projetos de saneamento básico se dá mediante a colaboração da iniciativa privada na realização dos estudos necessários para subsidiar a delegação dos serviços públicos via contratos de concessão ou parcerias público-privadas.

A medida é autorizada pela legislação por meio do Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) – art. 21 da Lei nº 8.987/95 – através do qual as empresas interessadas podem solicitar autorização específica para realização estudos, levantamentos, projetos etc, que sirvam para subsidiar o Poder Público Municipal na posterior licitação do empreendimento.

No momento de tomada de decisão, porém, geralmente surgem na Administração Municipal inúmeras dúvidas relacionadas ao processo de elaboração do planejamento municipal dos serviços públicos de saneamento, assim como ao relacionamento do Poder Público com a iniciativa privada interessada em estudar o projeto.

Com o objetivo de auxiliar a Administração Municipal no esclarecimento de algumas das questões mais comuns, selecionamos duas dúvidas a serem respondidas objetivamente a seguir. São elas: (i) O Plano Municipal de Saneamento Básico deve ser aprovado sempre por lei municipal? (ii) É possível utilizar estudos desenvolvidos via PMI para elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico?

2. Aprovação do PMSB

A Lei Federal nº 11.445/2007 – LNSB estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico, dentre elas institui frente ao titular do serviço público de saneamento básico de interesse local – o Município – a obrigatoriedade de planejar e regular os serviços de saneamento básico o que se faz por meio de Plano Municipal de Saneamento Básico – PMSB que deve abranger os aspectos econômicos, sociais e técnicos da prestação dos serviços, assim como institui a necessidade de participação e o controle social. Além da instituição da obrigatoriedade do Plano de Saneamento em si, a lei estabelece também que este deverá ser revisado, para atualização dos objetivos e metas nacionais e os programas e ações para o alcance dessas metas.

Para aprovação da elaboração ou revisão do PMSB, última fase do processo de competências e exigências diversas, a espécie normativa adotada deve ser aquela estritamente necessária à sua validade jurídica. As regras que determinam a exigência de formas legislativas específicas devem ser interpretadas junto à Lei Federal nº 11.445/2007, recentemente atualizada pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico.

O art. 19, § 1º da lei federal supracitada determina a responsabilidade do titular do serviço público de saneamento pela “aprovação” do plano: “§ 1º Os planos de saneamento básico serão aprovados por atos dos titulares e poderão ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço.” A dicção da legislação federal não cria, portanto, uma reserva legal para a validação da aprovação ou revisão do PMSB, do contrário, aponta para uma forma generalizada de validação, uma vez que os atos dos titulares (Municípios) não se restringem à reserva legal (leis ordinárias, complementares etc.).

Por outro lado, não é incomum que a Lei Orgânica Municipal preveja alguma espécie legislativa específica a aprovação ou elaboração de plano de saneamento. Se não houver disposição legal expressa nesse sentido na LOM ou outra lei municipal específica, a princípio é admitida a aprovação do PMSB por ato do titular que não seja especificamente uma lei (ordinária ou complementar). Isto porque o marco legal de saneamento básico não exige a edição de lei específica para a aprovação e/ou revisão.

Vale anotar que os requisitos para elaboração de planos de saneamento básico estão contidos na Lei Federal nº 11.445/2007, recentemente atualizada pelo novo marco legal de saneamento básico (Lei Federal nº 14.026/2020). Em seu art. 19 a lei federal estabelece os requisitos necessários ao plano assim como a necessidade de revisões periódicas. O novo marco legal de saneamento alterou a legislação para determinar que a revisão do plano deverá ocorrer em intervalo não superior a 10 (dez) anos desde a data de sua elaboração.[1]

Ainda sobre a possibilidade da aprovação de elaboração ou revisão do PMSB por ato distinto de lei, é preciso assentar que por si só isto não significará a supressão do caráter participativo do processo de elaboração/revisão do Plano. O art. 19 da Lei Federal nº 11.445/2007 em seu parágrafo 5º determina que deve ser assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas: “§ 5º Será assegurada ampla divulgação das propostas dos planos de saneamento básico e dos estudos que as fundamentem, inclusive com a realização de audiências ou consultas públicas.”

A recomendação para realização de audiência e consulta públicas constou inclusive em instruções para a elaboração dos planos e está presente também em alguns documentos de referência que foram lançados pelo Governo Federal, como o Termo de Referência do antigo Ministério das Cidades, atual Ministério do Desenvolvimento Regional, elaborado em 2016[2]. O Termo de Referência indica que a organização e acompanhamento dos processos de elaboração e revisão do Plano de Saneamento Municipal devem ocorrer de modo suficiente para que as contribuições e questionamentos surgidos durante sua realização, sejam efetivamente respondidos e, após a fase de avaliação e resposta a todas as emendas apresentadas durante o processo, haja inserção das contribuições acatadas na versão final do Plano.

Para tanto, há instrumentos que facilitam a divulgação de todas as atividades do Poder Público como submissão à consulta e audiência públicas. E, ainda, assegurar a difusão ampla das informações relativas ao Plano, incluindo o acesso aos estudos e aos resultados do diagnóstico é uma forma de garantir a ampla atuação participativa.

Outro instrumento de direcionamento na elaboração de revisão dos planos é o Termo de Referência lançado pela Fundação Nacional de Saúde – Funasa, com última revisão de 2018[3], que atua em saneamento focando em Municípios com população de até 50.000 pessoas. O termo afirma que como atribuição indelegável do titular, o Município deve conduzir todo o processo de formulação da Política e de elaboração do seu PMSB, “indiferentemente do tipo de arranjo institucional adotado”, ou seja, se o Plano será elaborado diretamente com a equipe técnica da Prefeitura ou se contará com algum apoio técnico externo, seja por meio de uma instituição de ensino ou de uma consultoria especializada, entre outros. Define ainda que o Plano, assim como a Política Municipal de Saneamento Básico, deve ser elaborado com participação popular, bem como sua implantação, monitoramento, avaliação e revisão submetidos ao controle social.

É necessário ressaltar que toda a participação popular com discussões sobre o plano municipal de saneamento básico dá-se em razão, além da exigência legal, da necessidade de implementar a visão estratégica que o Município possui para a prestação do serviço público de saneamento básico no município, sendo que tal visão é representada pela Política Municipal de Saneamento Básico.

E sobre a necessidade de realização de audiência pública para aprovação de plano de saneamento básico o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo – TCE/SP entende que é necessária sua prévia realização para aprovação do Plano, considerando também que a aprovação do Plano por Decreto do Executivo após a realização da audiência amolda-se à exigência de garantia dos mecanismos de controle social:

“4) Quanto às audiências públicas: – o Plano de Saneamento do Sistema Público de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Município de Andradina somente foi aprovado por Decreto Municipal depois de ampla divulgação das propostas e do estudo que o fundamenta, com realização da audiência pública ocorrida em 28/08/2009, às 19:00, no auditório da Câmara Municipal; – mesmo após a aprovação do Plano, a Administração continuou a dar ampla publicidade aos estudos nele compilados; – mesmo critério e cautela foram adotados quanto à realização de audiência e consultas públicas sobre o edital de licitação e minuta do contrato, em cumprimento do artigo 11, IV, da Lei Federal nº 11.445/09, conforme documentos do procedimento licitatório;

(…)

Já a questão da transparência e da realização de audiências públicas foi objeto de justificativas que se revelaram, ao menos por ora, satisfatórias.”’

TCE/SP. TC-000118/015/10. CONSELHEIRO EDUARDO BITTENCOURT CARVALHO. TRIBUNAL PLENO – SESSÃO: 28/04/10

Salienta-se ainda que a aprovação da elaboração ou da revisão do plano com aprovação por meio de Decreto é medida que vem sendo adotada em vários Municípios do país que passaram por processos de aprovação ou revisão de PMSB, nesse sentido são exemplos Campinas/SP – Decreto nº 18.199, Rio de Janeiro/RJ – Decreto nº 41.173/2015, Porto Belo/SC – Decreto nº 2.293/2019, São Paulo/SP – Decreto nº 58.778/2019, Erechim/RS – Decreto nº 4.215/2015 e revisão aprovada pelo Decreto nº 4.889/2020, entre outros. Veja-se que no Município de São Paulo o Decreto instituidor do Plano de Saneamento nº 58.778/2019 assim determinou: “Art. 1º Fica instituído, na forma do Anexo Único deste decreto, o Plano Municipal Saneamento Básico – PMSB 2019/2020, constituindo o planejamento estratégico das ações da Administração Municipal, com vistas a aumentar e aperfeiçoar os serviços e ações dos componentes do saneamento ambiental.”

Considerando a necessidade da formulação participativa do Plano Municipal de Saneamento 2020, o Município constituiu por meio da Portaria nº 349/2019 uma comissão específica que entre outras atribuições deverá: “III – sugerir ao Executivo Municipal os instrumentos de consulta pública e calendário de audiências públicas, com vistas à revisão participativa do Plano Municipal de Saneamento de 2020 que, por sua vez, balizará a revisão quadrienal do Contrato de Prestação de Serviços do Município com a SABESP;” Art. 2º.

É de se perceber, portanto, que este Município não apenas incorpora as diferentes formas de participação social que são amparadas por definições da Lei 11.445/2007 (audiência e consulta públicas) assim como estabeleceu estratégia real para consecução do mecanismo de controle social quando atribui a uma comissão específica a competência para criar agenda e chamar as audiências necessárias à revisão de seu Plano de Saneamento Básico.

A aprovação da revisão do PMSB por meio de decreto do Poder Executivo, desde que não vedada no âmbito da legislação local, é medida adotada em razão da própria agilidade conferida ao processo de atualização do plano para cumprir objetivos e metas da política municipal de saneamento básico e garantir a prestação adequada dos serviços, ou seja, cumpre-se a legislação adotando medida necessária à aprovação do plano (por decreto, que é um ato de titular) e garante que agilidade, já que dispensa um procedimento legislativo que não é obrigatório.

3. Utilização dos estudos do PMI como subsídio para o PMSB

Sobre a possibilidade de elaboração ou revisão do Plano de Saneamento Básico com utilização dos estudos e levantamentos fornecidos por empresa autorizada em PMI, é importante verificar se o Termo de Referência do Chamamento Público estabeleceu critérios para a entrega dos produtos. É essencial que as empresas estejam autorizadas, por exemplo, a realizar estudos e investigações de modo amplo, envolvendo os elementos exigidos para compor o Plano Municipal, incluindo a descrição dos sistemas existentes (tanto do SAS quanto do SES), indicando todas as informações que possam identificar cada unidade componente do sistema para uma visualização do panorama atual dos sistemas; diagnóstico dos sistemas existentes e avaliação de cenários, além de apresentação de estudos de prognóstico das necessidades que indiquem a elaboração de metodologias e padrões técnicos para adequações e expansão da infraestrutura, definição de metas e critérios para substituição de redes antigas, indicação das ações de emergência e contingência, entre outros.

Os subsídios constantes nos produtos do PMI devem então decorrer dos estudos técnicos realizados pela empresa autorizada para elaborar o Edital da Concorrência Pública para concessão da exploração dos serviços de água e esgotamento sanitário. Ou seja, as empresas autorizadas podem funcionar como verdadeiras prestadoras de serviços ao entregar os estudos ao Poder Concedente, inclusive em termos de responsabilidade pelos levantamentos, já que em regra Chamamento Público determina a apresentação pela autorizada de declarações e/ou atestados técnicos emitidos em seu nome ou de integrantes de sua equipe técnica; ou responsabilidade por atos danosos a terceiros, assumida pela autorizada por força do art. 6º, § 1º do Decreto Federal 8.428/15 (Dispõe sobre o Procedimento de Manifestação de Interesse).

O trabalho fornecido pela autorizada pode estar fundamentado nas informações obtidas junto ao prestador atual dos serviços pela empresa autorizada no PMI, assim como ocorreria se acaso a Administração Municipal optasse por contratar no mercado os serviços técnicos de elaboração do Plano. Veja-se nesse sentido que uma eventual empresa contratada especificamente para fazer a revisão do Plano, deveria submeter seus estudos e levantamentos de igual modo ao Poder Público, a quem caberia a aprovação ou rejeição do mesmo. Portanto, exercendo sua competência, o Município não delega em qualquer caso a revisão do Plano, apenas recebe estudos técnicos fundamentados que subsidiem sua tomada de decisão.

O emprego de arranjo jurídico para a utilização de subsídios técnicos é que se diferencia: se de um lado o Município pode realizar um contrato como base na Lei Federal 8.666/96, com destinação imediata de verba para empresa contratada para a realização de estudos, pode também de outro receber os estudos que subsidiarão a revisão do Plano por meio do PMI e nesse caso a remuneração da autorizada é dependente do sucesso no processo licitatório e diferencia daquele primeiro caso pelo interesse direto e amparado em lei da empresa em participar da futura licitação, conforme determina o art. 18 do Decreto Federal 8.428/15.

Em relação a esse último aspecto, não há vedação para a empresa contratada pela administração pública para realizar estudos técnicos que vão servir para embasar o plano de saneamento, de futuras licitações decorrentes da implantação desse mesmo plano. E também não há qualquer delegação de atribuições típicas ou exclusivas da Administração Pública, uma vez que a revisão técnica do plano deve ser aprovada pelas instâncias competentes do Município, servindo a empresa autorizada como mera colaboradora da Administração Municipal no levantamento de informações.

O plano em qualquer circunstância será elaborado ou revisado pelo próprio Município, a partir das informações e estudos recebidos do contratado/autorizado e não há delegação de competência nesse sentido. Nesse sentido, o Município, assim como fez para análise do estudo apresentado no PMI, poderá instituir por meio de Portaria uma Comissão para analisar os estudos e levantamentos técnicos revistos de modo a verificar se efetivamente servem ou não como subsídio à formulação dos instrumentos de planejamento. A análise pela Comissão constituída garante segurança ao Poder Público quando da aprovação do Plano.

Tanto é assim que a possibilidade de elaboração/revisão de planos por meio de procedimento de manifestação de interesse já vem sendo adotada de forma pacífica para estruturação de projetos no setor do saneamento básico. O BNDES lançou Convocação Pública para elaboração de Estudos Técnicos por pessoas jurídicas de direito privado, que tenham sido autorizadas nos termos do art. 21 da Lei Federal nº 8.987/95 (que fundamenta o PMI) pelos entes federativos.

No chamamento dispôs que, além dos relatórios e conteúdos necessários à modalidade escolhida para a delegação do serviço, os Estudos Técnicos a serem desenvolvidos pela autorizada deverão incluir insumos para a elaboração dos Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB), quer dizer, os estudos necessários à elaboração e/ou revisão dos planos. A Convocação Pública BNDES Pró-Estruturação de Projetos nº 01/2016 assim definia como elemento necessário nos estudos e levantamentos:

“Para os municípios incluídos no escopo do Projeto e que (i) não possuem Planos Municipais de Saneamento Básico/PMSB ou (ii) que possuem planos em desacordo com o Projeto, deverão ser apresentados todos os insumos necessários para a elaboração/revisão dos PMSBs, conforme o caso, garantindo-se o alinhamento de tais documentos ao escopo do Projeto.”[4]

A utilização de estudos e levantamentos realizados por terceiros como subsídios ao Poder Público para elaborar projetos e rever as metas de universalização da saneamento básico é tema que já foi abordado pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo quando assentou de forma clara que não há qualquer ilegalidade no chamamento público para prestação de serviços que municiem o Poder Público com dados e indicadores necessários à revisão de seus projetos e políticas públicas que circundam a prestação de serviço público de saneamento básico:

“2.2 Desde logo, cabe destacar que o objeto do chamamento público não constitui serviços rotineiros de pequena complexidade. Trata-se de estudos técnicos de engenharia, jurídico, econômico-financeiro e matriz de riscos relativos à concepção e ao desenvolvimento de projetos que envolvam investimentos e serviços que possam contribuir para a antecipação de suas metas de universalização dos serviços de esgotos em Campinas e projetos associados na área de saneamento básico e ambiental em Campinas e na região metropolitana onde está inserida. Neste contexto, em face da exposição das razões que embasam o convencimento da autoridade responsável pela contratação de assessoria jurídica terceirizada para a elaboração de diagnóstico jurídico e estudos necessários para a licitação e/ou contratação de parceria público privada, não resta qualquer elemento que configure ilegalidade manifesta que justifique a interferência desta Corte de Contas nesta sede de exame prévio de edital de Chamamento Público. 2.3. Não há qualquer ilicitude na pretensão da Municipalidade de Campinas em contratar a elaboração dos estudos em questão. Trata-se de decisão que se insere no âmbito de atuação do poder discricionário da autoridade superior, de acordo com o seu juízo de conveniência e oportunidade.”

TCE/SP. TC – 005259.989.14-3. Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho. 16 de dezembro de 2014.

Nesse sentido, as investigações, levantamentos, projetos e estudos integrados de viabilidade técnica, ambiental, econômico-financeira, jurídica e regulatória do PMI, além de fundamentarem a estruturação e modelagem adequada para a concessão do serviço público de saneamento básico, são postos à disposição do Poder Público e podem ser adotados como subsídio para revisão do PMSB porque apresentam as estratégias para a efetiva implementação de sua Política de Saneamento Básico, apresentando de modo detalhado quais os métodos e ações que são necessárias e suficientes ao atingimento das premissas, objetivos e as metas definidas no Plano e que serão alcançados na prestação do serviço.

A adoção dos estudos de PMI como subsídio para formulação do plano de saneamento básico, além de ser opção que já vem sendo adotada com validação pelo E.TCE/SP, é atualmente autorizada pelo Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei Federal nº 14.026/2020) quando determina expressamente que os estudos que fundamentam a concessão devem ser considerados planos de saneamento desde que atendam aos requisitos legais:

“Art. 19. Os titulares de serviços públicos de saneamento básico deverão publicar seus planos de saneamento básico até 31 de dezembro de 2022, manter controle e dar publicidade sobre o seu cumprimento, bem como comunicar os respectivos dados à ANA para inserção no Sinisa.

Parágrafo único. Serão considerados planos de saneamento básico os estudos que fundamentem a concessão ou a privatização, desde que contenham os requisitos legais necessários.”

Ressalte-se ainda a Lei Federal nº 11.045/07 define a possibilidade de utilização de dados fornecidos pelo prestador de serviço para a formulação do Plano de Saneamento Básico em art. 19: “§1º Os planos de saneamento básico serão aprovados por atos dos titulares e poderão ser elaborados com base em estudos fornecidos pelos prestadores de cada serviço.” E nesse sentido, os estudos elaborados pela autorizada podem partir das condições básicas de prestação de serviço adotadas pelo próprio Município ou por seu prestador contratado por este.

Vale fazer nota ainda que apesar da falta de normativa própria dos Municípios que regulamente o PMI, nada impede que os entes utilizem como parâmetro (expressamente definido no ato de convocação) que o procedimento se guiará pelo regimento federal dado pelo Decreto Federal nº 8.428/15. Ressalte-se que a inexistência de regulamentação não pode ser interpretada sob o ponto de vista proibitivo e restritivo a esta modalidade de interação entre o interesse público e as expectativas da iniciativa privada, senão tão somente uma lacuna na regulamentação local, haja vista a literal e clara possibilidade dada pelo art. 21 da Lei Federal nº 8.987/95. Como solução ideal para a situação, os Executivos Municipais podem iniciar a atualização de seus marcos legais para prever a regulamentação dos PMIs (espontâneos ou provocados) tanto para as concessões comuns, quanto para as administrativas e patrocinadas, sendo certo que tais atualizações no campo normativo inserem o Município na rota de interesse dos investimentos em infraestrutura.[5]

A formulação de uma política pública de saneamento como atividade indelegável é representada por um conjunto de ações de competência exclusiva do Poder Público, dentre elas a formulação e revisão do Plano de Saneamento, sendo que esta formulação/revisão poderá ser subsidiada por estudos técnicos realizados por técnicos externos ao Poder Público e sua validade jurídica fica condicionada à recepção e validação, por meios próprios para tanto, pelo titular.

4. Conclusão

A possibilidade de aprovação de utilização dos estudos do PMI para fundamentar a revisão do Plano Municipal de Saneamento no Município pode ocorrer pela aprovação de ato do Poder Executivo Municipal, desde que inexista reserva legal na Lei Orgânica Municipal. E nesse sentido, sendo garantida a possibilidade de aprovação ou revisão do PMSB por meio Decreto do Poder executivo, o ato próprio do titular será, então, o responsável pela validação e adoção dos estudos do PMI como subsídios técnicos para elaboração do Plano. Por meio dele se reconhece que as premissas, estratégias e metas contidas nos estudos cumprem as exigências legais e são aptos a integrar a política municipal de saneamento por adstrição de seus elementos aos objetivos do titular dos serviços.

* * *

[1] Lei Federal nº 11. 445/2007. “Art. 19, § 4º: Os planos de saneamento básico serão revistos periodicamente, em prazo não superior a 10 (dez) anos.” (Redação pela Lei nº 14.026, de 2020).
[2] Disponível em: http://www.abesba.org.br/uploadedfiles/cursos_e_eventos/TDR_Padrao_PMSB_SNSA_MCidades2016_1.pdf Acesso em 28/01/2021
[3] Disponível em: http://www.funasa.gov.br/documents/20182/23919/TR_PMSB_Revisado_marco_2018.pdf/17b783a9-84a0-429c-b52d-1edd849d07ba Acesso em 28/01/2021
[4] Disponível em: https://www.bndes.gov.br/wps/wcm/connect/site/41efb34e-86aa-43db-866f-0fc54ce3cb53/Convoca%C3%A7%C3%A3o+P%C3%BAblica.pdf?MOD=AJPERES&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0&CVID=lx5xfH0 Acesso em 28/01/2021
[5] CARVALHO, André Castro. Estudo sobre as manifestações de interesse da iniciativa privada/MIPs e os procedimentos de manifestação de interesse/PMIs. In SUNDFELD, Carlos Ari e JURKSAITIS e Guilherme Jardim (coord.), Contratos públicos e Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros Editores, 2015, p. 170-188.

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