Prestação de Contas no Terceiro Setor: Transparência e Responsabilidade na Gestão de Recursos Públicos

Por Rafael Garofano e Diego Pelajo

 

A prestação de contas das entidades do terceiro setor que recebem recursos públicos é um processo que gera algumas dúvidas operacionais e exige atenção rigorosa à legislação aplicável, especialmente ao Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei nº 13.019/2014)[1], seus regulamentos e atualizações.

 

O regulamento federal[2] estabelece que as organizações da sociedade civil (OSC) beneficiárias de recursos públicos precisam, ao final da execução da parceria, apresentar uma prestação de contas que contemple tanto o cumprimento das metas estabelecidas quanto a comprovação documental das despesas realizadas.

 

A dúvida mais comum das entidades é saber se, além da demonstração do cumprimento das metas previstas nos instrumentos de parceria, haveria também a necessidade de comprovação documental de todas as despesas e custos efetivamente incorridos durante a execução do plano de trabalho, por meio de notas fiscais e recibos de cada despesa incorrida individualmente. O nível de detalhamento e rigidez desse processo de prestação de contas pode se tornar um ônus excessivo paras entidades em termos de gestão financeira, de tempo e de recursos dedicados pela entidade.

 

Conforme disposto no Decreto nº 8.726/2016, a entidade parceira deve apresentar um relatório de execução do objeto, no qual descreva de forma clara e detalhada todas as atividades desenvolvidas e os resultados obtidos em função da parceria firmada com o poder público. Esse relatório deve comprovar que as metas previstas no plano de trabalho foram atingidas e que os recursos públicos foram utilizados para gerar impacto social positivo, conforme estipulado no acordo de parceria.

 

Ao contrário do que poderia ser interpretado, o Decreto nº 8.726/2016 não permite que a prestação de contas se limite apenas à demonstração do cumprimento das metas do plano de trabalho, sem a existência dos comprovantes das despesas, em regra. Embora a avaliação de resultados tenha um peso significativo na análise das contas, a comprovação documental das despesas continua a ser exigida, notadamente em caso de descumprimento de metas.

 

Isso significa que, em regra, a entidade não pode apenas demonstrar que atingiu os objetivos pactuados sem ter a comprovação efetiva, por meio de notas fiscais, recibos e outros documentos, como os recursos públicos foram aplicados. Ainda que essa documentação toda não seja avaliada em um momento inicial, ela deve estar disponível e será minuciosamente analisada caso se perceba o não atingimento das metas previamente pactuadas no instrumento da parceria.

 

Significa dizer que o suposto cumprimento das metas estabelecidas no plano de trabalho não isenta a entidade da obrigação de comprovar documentalmente as despesas realizadas com os recursos públicos, nos casos em que houver dúvida sobre o efetivo cumprimento das metas e dos resultados esperados.

 

O art. 56 do Decreto Federal nº 8.726/2016 – com redação dada pelo Decreto nº 11.948, de 2024[3], determina que, além do relatório de execução do objeto, a entidade deve fornecer informações via sistema eletrônico que permita a extração de um relatório de execução financeira, no qual todas as despesas realizadas devem ser detalhadamente apresentadas e vinculadas às rubricas orçamentárias previamente aprovadas. Esse relatório será extraído da plataforma nas hipóteses de descumprimento injustificado do alcance das metas ou quando houver indício de ato irregular.  

 

Nesse sentido, para que a prestação de contas seja feita de forma adequada, a entidade deve adotar um controle rigoroso tanto sobre a execução das atividades quanto sobre a utilização dos recursos. O processo de prestação de contas, portanto, envolve basicamente os seguintes passos principais:

 

a) Relatório de Execução do Objeto: Este relatório deve detalhar todas as atividades realizadas no âmbito da parceria, descrevendo como cada ação contribuiu para o cumprimento das metas estabelecidas no plano de trabalho. A entidade deve demonstrar de maneira clara como os resultados foram atingidos, incluindo indicadores de desempenho e evidências objetivas, como fotos, vídeos, ou documentos que comprovem a entrega dos produtos ou serviços previstos;

 

b) Relatório de Execução Financeira: A entidade deve, concomitantemente, disponibilizar as informações para o relatório de execução financeira, que deve discriminar todas as despesas realizadas com os recursos públicos. Esse relatório deve ser elaborado com base no orçamento aprovado no plano de trabalho e deve incluir uma descrição pormenorizada de cada despesa, relacionando-a diretamente com as atividades previstas.

 

c) Envio da Prestação de Contas: Após a elaboração dos relatórios, a entidade deve encaminhar a prestação de contas para análise pela administração pública. Essa análise pode envolver a verificação tanto do cumprimento das metas quanto da regularidade financeira. Em caso de dúvidas ou inconsistências, a entidade poderá ser notificada para fornecer esclarecimentos ou documentos comprobatórios.

 

O processo de prestação de contas não se encerra com a entrega desses relatórios e documentos. A administração pública deve proceder com a análise da prestação de contas, verificando tanto a conformidade dos resultados com o plano de trabalho quanto a regularidade das despesas apresentadas. Caso sejam identificadas inconsistências, omissões ou irregularidades na prestação de contas, o regulamento federal prevê que a entidade poderá ser notificada para apresentar esclarecimentos ou documentos adicionais. Neste aspecto, se não forem sanadas as pendências, a entidade poderá ficar sujeita à devolução dos valores ou à aplicação de sanções.

 

É certo que a redação mais atual do regulamento federal estabelece que as entidades devem focar na demonstração do cumprimento das metas do plano de trabalho e na transparência na gestão dos recursos, com inserção das informações relativas à aplicação dos recursos na plataforma eletrônica (no caso da União, por meio da plataforma “transferegov.br”).

 

As notas, comprovantes fiscais ou recibos referentes às despesas não necessariamente precisam ser enviados via sistema eletrônico[4], mas a sua efetiva análise e avaliação pode ser solicitada em um segundo momento como uma forma de comprovar a correta aplicação dos recursos, notadamente quando há evidências do descumprimento de metas previamente definidas ou de aplicação irregular dos recursos transferidos[5]. Para tanto, a entidade deve manter a guarda dos documentos originais relativos à execução das parcerias pelo prazo mínimo de dez anos[6].

 

Portanto, essa sistemática de prestação de contas reforça a conclusão de que, desde o primeiro momento, o mais importante é que a entidade seja capaz de demonstrar, de forma clara e detalhada, que os recursos foram utilizados de acordo com os objetivos estabelecidos e que as metas foram alcançadas, o que pode significar, na prática, a eventual dispensa de verificação pormenorizada das notas e recibos das despesas realizadas com recursos da parceria.

 

 

[1] BRASIL. GOV. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (Lei nº 13.019/2014). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13019.htm

[2] BRASIL. GOV. Decreto Federal nº 8.726/2016. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/%5C_ato2015-2018/2016/Decreto/D8726.htm

[3] BRASIL. GOV. Decreto 11.948/2024. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D11948.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%2011.948%2C%20DE%2012,as%20organiza%C3%A7%C3%B5es%20da%20sociedade%20civil

[4] Art. 37, §1º A organização da sociedade civil deverá efetuar os pagamentos das despesas na plataforma Transferegov.br, dispensada a inserção de notas, comprovantes fiscais ou recibos referentes às despesas. 

[5] Art. 56.  A administração pública federal extrairá relatório de execução financeira da plataforma Transferegov.br, nas hipóteses de descumprimento injustificado do alcance das metas ou quando houver indício de ato irregular.

[6] Art. 58. As organizações da sociedade civil deverão manter a guarda dos documentos originais relativos à execução das parcerias pelo prazo de dez anos, contado do dia útil subsequente ao da apresentação da prestação de contas ou do decurso do prazo para a apresentação da prestação de contas.

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