GOVTECHS: é realmente muito difícil inovar no setor público?

As govtechs são startups ou empresas que investem no desenvolvimento de novas tecnologias aplicadas aos serviços públicos e às funções desempenhadas pelos órgãos e entidades do poder público.

Elas podem atuar em diversos setores, como infraestrutura, energia, saúde, saneamento, educação, segurança pública, transporte e mobilidade, atendimento aos cidadãos, entre muitos outros.

As govtechs são vitais para levar a inovação aos governos. Em comum, elas buscam desenvolver soluções inovadoras para proporcionar aumento da eficiência dos serviços públicos ou mesmo revolucionar a forma como o Poder Público oferece serviços aos cidadãos.

O crescimento do mercado de govtechs no Brasil tem sido bastante significativo nos últimos anos. Muitos governos – notadamente o Governo Federal – tem sido muito ativos na transformação digital do setor público e da coleta e análise de dados com o objetivo de construção de políticas públicas baseadas em evidências.

Esse movimento tem sido propulsor de uma série de iniciativas e startups que tem como modelo de negócios a venda direta ou indireta de soluções tecnológicas para governos, empresas estatais ou concessionárias de serviços públicos.

Os números não mentem. Segundo o relatório “As Startups GovTechs e o futuro do governo no Brasil” existem atualmente 1500 startups com potencial para se inserir neste segmento no Brasil. Apesar da desigualdade, burocracia, crises políticas e econômicas, o Brasil ainda possui o maior ecossistema de inovação da América latina, e oferece um terreno fertil e promissor para esse segmento. Segundo o Índice GovTech 2020, o Brasil ocupa o 4° lugar entre 16 países pesquisados em relação a maturidade do ecossistema no segmento e somos o país com o maior número de govtech na américa latina.

Apesar do enorme potencial, as govtechs ainda encontram barreiras significativas para introduzir soluções inovadores dentro dos governos. Não só em razão da já muito conhecida dificuldade de venda direta para governos em razão das leis e regras relativas às licitações públicas no Brasil – e toda a burocracia envolvida –, mas também em vista da complexidade do ambiente regulatório mais amplo que envolve o Poder Público. O ambiente regulatório complexo, a multiplicidade de normas e a insegurança jurídica promovida por decisões pouco claras ou contraditórias de órgãos de controle e autoridades de regulação, tornam a jornada dos empreendedores, assim como dos gestores públicos, muito difícil.

Por essas e outras razões, é essencial para as govtechs brasileiras um suporte especializado desde o início da jornada empreendedora e a troca de experiências sobre modelos de negócios, caminhos possíveis, riscos e alternativas. O planejamento sobre o processo de implementação e “venda” para o setor público também exige experiência e um certo nível de destreza para lidar com os ritos procedimentais e antecipar possíveis “pontos de entrave” na tomada de decisão administrativa.

Ainda assim, com o acompanhamento adequado, planejamento e preparação para enfrentar os desafios regulatórios, é sim possível inovar no setor público no Brasil. Isso inclui viabilizar desde a aquisição de produtos e serviços inovadores por órgãos e entidades governamentais, até a estruturação de novos modelos de serviços públicos e de relacionamento público-privado que prometem moldar o futuro dos serviços públicos nos próximos anos e décadas.

É preciso, para tanto, oferecer aos setores público e privado uma boa dose de “inteligência regulatória”, essencial para viabilizar inovações que beneficiem a população, em nome do interesse público.

Ainda que alguns avanços normativos sejam notáveis – citamos aqui o exemplo da LEI COMPLEMENTAR Nº 182, DE 1º DE JUNHO DE 2021, que institui o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador -, a utilização de seus instrumentos ainda requer preparação e suporte em diferentes frentes.

Para exemplificar, citamos a seguir ao menos quatro momentos em que um suporte especializado e experiente é fundamental para determinar o sucesso ou insucesso da iniciativa de inovação em governo promovida por uma govtech, para fins de aplicação do novo marco legal:

(i) viabilização dos instrumentos de investimento em inovação:

Na maioria das vezes, a startup vai precisar de suporte na formalização de aportes de capital por pessoa física ou jurídica, que poderá resultar ou não em participação no capital social da startup, a depender da modalidade de investimento escolhida.

O apoio poderá incluir a elaboração e negociação de contratos de opção de subscrição de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e a empresa; contrato de opção de compra de ações ou de quotas celebrado entre o investidor e os acionistas ou sócios da empresa; debênture conversível emitida pela empresa; contrato de mútuo conversível em participação societária celebrado entre o investidor e a empresa; estruturação de sociedade em conta de participação celebrada entre o investidor e a empresa; contrato de investimento-anjo; ou outros instrumentos de aporte de capital em que o investidor, pessoa física ou jurídica, não integre formalmente o quadro de sócios da startup e/ou não tenha subscrito qualquer participação representativa do capital social da empresa.

(ii) acesso às fontes de fomento à pesquisa, ao desenvolvimento e à inovação:

Há também necessidade de suporte na captação de recursos oriundos de fundos patrimoniais destinados à inovação ou Fundos de Investimento em Participações (FIP), nas categorias capital semente; empresas emergentes; e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação; assim como apoio na participação da startup em programas, em editais ou em concursos destinados a financiamento, a aceleração e a escalabilidade de startups, gerenciados por instituições públicas, tais como empresas públicas direcionadas ao desenvolvimento de pesquisa, inovação e novas tecnologias, fundações universitárias, entidades paraestatais e bancos de fomento que tenham como finalidade o desenvolvimento de empresas de base tecnológica, de ecossistemas empreendedores e de estímulo à inovação.

(iii) proposição e participação em programas de ambiente regulatório experimental:

O sandbox regulatório é definido como o “conjunto de condições especiais simplificadas para que as pessoas jurídicas participantes possam receber autorização temporária dos órgãos ou das entidades com competência de regulamentação setorial para desenvolver modelos de negócios inovadores e testar técnicas e tecnologias experimentais, mediante o cumprimento de critérios e de limites previamente estabelecidos pelo órgão ou entidade reguladora e por meio de procedimento facilitado”.

Em geral, empreendedores e startups precisam de apoio na apresentação de sugestões e manifestações de interesse perante órgãos públicos com o objetivo de promover iniciativas de criação desses ambientes regulatórios experimentais (sandbox regulatório). Com base na proposta da empresa, os órgãos e as entidades da administração pública com competência de regulamentação setorial poderão, individualmente ou em colaboração, afastar a incidência de normas sob sua competência em relação à entidade regulada ou aos grupos de entidades reguladas.

O apoio poderá envolver a apresentação das linhas gerais do programa de ambiente regulatório experimental, incluindo os critérios para seleção ou para qualificação do regulado; a duração e o alcance da suspensão da incidência das normas; e as normas abrangidas.

(iv) viabilizar a contratação de soluções inovadoras pelo governo:

Por fim, é bastante comum a necessidade de apoiar empreendedores e startups na jornada de venda para governos de suas soluções inovadoras, desde a etapa de estratégia de vendas (B2G/B2B2G) até o apoio na participação de licitações reguladas pelo novo marco legal das startups que tenham por objetivo resolver demandas públicas que exijam solução inovadora com emprego de tecnologia ou promover a inovação no setor produtivo por meio do uso do poder de compra do Estado.

O objetivo é preparar a startup para que possa estar apta a participar de processos de seleção e de testes de soluções inovadoras por ela desenvolvida ou a ser desenvolvida, com ou sem risco tecnológico, por meio de licitação na modalidade especial regida pelo novo marco legal.

Além disso, o suporte externo pode auxiliar o empreendedor/startup na preparação de sua solução visando à avaliação e julgamento de sua proposta, levando em consideração critérios como o potencial de resolução do problema pela solução proposta e, se for o caso, da provável economia para a administração pública; o grau de desenvolvimento da solução proposta; a viabilidade e a maturidade do modelo de negócio da solução; a viabilidade econômica da proposta, considerados os recursos financeiros disponíveis para a celebração dos contratos; e a demonstração comparativa de custo e benefício da proposta em relação às opções funcionalmente equivalentes.

A assessoria pode envolver também uma avaliação criteriosa dos requisitos formais e da documentação relativa aos requisitos de habilitação de sua proposta, com o objetivo de assegurar ou aumentar as chances de contratação da startup pelo poder público para o teste ou fornecimento da solução inovadora desenvolvida pela empresa. O acompanhamento pode envolver a etapa de formalização e execução do Contrato Público para Solução Inovadora, durante todo o seu prazo de execução, a fim de assegurar o cumprimento de suas cláusulas e condições pelo poder público e viabilizar a eventual contratação posterior (contrato de fornecimento).

Na etapa contratual, o apoio em geral compreende o auxílio no cumprimento das metas a serem atingidas para que seja possível a validação do êxito da solução inovadora e a metodologia para a sua aferição; a elaboração e verificação de conformidade de relatórios de andamento da execução contratual, que servirão de instrumento de monitoramento, e do relatório final a ser entregue pela contratada após a conclusão da última etapa ou meta do projeto; acompanhamento da matriz de riscos do projeto; apoio na gestão dos direitos de propriedade intelectual das criações resultantes e nos resultados de sua exploração; gestão administrativa e financeira do contrato, a fim de assegurar o recebimento da remuneração pelo poder público, de acordo com a forma previamente estabelecida (liberação das faturas, notas, pagamentos, reequilíbrio contratual, inexecuções, indenizações etc).

Trata-se de uma jornada inovadora com alto potencial de impacto social e de escala. As soluções e as novas tecnologias para o setor público multiplicam-se à medida em que a demanda social exige maior eficiência, acesso e qualidade nos serviços públicos, sobretudo aqueles prestados em meios digitais. Os instrumentos normativos existem e estão sendo aprimorados, porém apenas a existência de regras não garante facilidade ao empreendor “govtech” na efetiva implementação de seu produto/serviço. Nada ainda é capaz de substituir o conhecimento mais profundo das práticas, dos processos e dos “trade-offs” que envolvem a tomada de decisão pelos gestores públicos.

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